A vitória (não tão) bombástica de Kim Jong-Un

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Published on March 20, 2018 – Jornal do Brasil (print version only)

(Full text)

Na superfície, a visita da delegação do governo sul-coreano à Coréia do Norte, ocorrida nesta semana, parece ter sido um grande sucesso de Donald Trump. Declarações de ambas as Coreias sugerem que os acordos e as discussões que foram feitas ajudarão o Norte a melhorar suas relações com o Sul e os EUA, tendo ainda um impacto positivo na resolução da crise nuclear e eventual unificação da península.

Um destaque foi o agendamento de uma cúpula entre Moon Jae-in, Presidente da Coreia do Sul, e Kim Jong-Un, líder da Coreia do Norte, a ser realizada no final de abril. O evento marcará a inédita entrada de um líder norte-coreano no território do sul. Outro sinal de esperança – mais retumbante – foi a notícia de que o Norte estaria finalmente disposto a discutir desnuclearização, propondo inclusive suspender testes nucleares durante futuras negociações. Trump aceitou o convite de um encontro em maio. Oficiais do Norte afirmaram ainda que “não existe motivo para armas nucleares” se não houver ameaças contra seu país, descartando o uso de seu arsenal contra os “irmãos do Sul”, em um descongelamento de relações dos países iniciado com a presença do Norte nos Jogos Olímpicos de Inverno de PyeongChang.

No entanto, enquanto muitos no EUA, Coreia do Sul e no resto do mundo se deleitam com o otimismo de que o Norte finalmente chegará à mesa de negociações de forma sincera para abandonar suas bombas e mísseis, a experiência e a realidade nos dão motivos para crer que estamos nos deparando com mais uma vitória diplomática da dinastia Kim.

Longe de serem surpreendentes, as ações e palavras de Kim Jong-Un revelam a previsbilidade dos padrões estratégicos do Norte: não seria a primeira vez que Pyongyang usa de laços mais estreitos com o Sul e conversas com os EUA para evitar possíveis ações militares e sacudir-se das sanções internacionais que estrangulam sua economia, especialmente após períodos de intensas ameaças. De fato, um olhar atento às entrelinhas das declarações do Norte aumenta a sensação de dejá vú em relações as negociações ocorridas nas eras Bush e Clinton.

Basta observar que a oferta do Norte de eliminar suas armas nucleares tem uma condição em anexo – não deve haver hostilidade em relação ao seu território nacional. Em outras palavras, a Coreia do Norte faz referência à sua demanda de décadas para que o Sul e os EUA interrompam os exercícios militares conjuntos – que anualmente bombardeiam a costa do Norte – e que as tropas americanas marchem para fora do Sul – onde possuem, hoje, a maior base militar norte-americana fora dos Estados Unidos. Algo longe das capacidades e desejos de Trump ou qualquer Presidente estadunidense. Vale notar também que quando o Norte afirma que não usará seu arsenal contra o Sul, não se trata de simples gesto de boa vontade: com isto o Norte afirma ao Sul e ao mundo que deve ser reconhecido como um Estado nuclear capaz e, acima de tudo, legítimo. De forma ainda mais clara: a promessa do Norte de “suspender todos os testes nucleares e de mísseis durante as negociações” também significa que se a negociação não for bem pode-se retomá-los a qualquer momento.

Se o Norte poderá, de fato, surpreender o mundo, ainda está para ser visto. Por enquanto a dinastia ganhou, sem uma gota de sangue inimigo, diga-se de passagem, o que Saddam Husseim, Muammar Gaddafi e outros não conseguiram: tempo. Kim Jong-Un ainda é jovem e sabe que pode muito bem terminar seus dias como aquele responsável por unificar as duas Coreias, mas provavelmente não sairá com vida caso isto aconteça agora. Enquanto isso, o ditador usa antigas estratégias com nova roupagem e pouco ou nada do que vimos recentemente mostra que esteja realmente fraquejando. Na Política Internacional nem todas as vitórias (ou derrotas) são explosivas.

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